Já venceu algo hoje?

Os diagnósticos começaram cedo. Eu tinha apenas seis anos, mas sabia que existia um dia na semana ao qual eu tinha que ir a psicóloga. E eu adorava, não entendia o porquê de estar ali, mas sabia que me reuniria a outras crianças e que com certeza teria lápis de cor, papel e um desenho sairia.  Aos seis foi a Fobia Escolar, uma doença que faz com que a pessoa não consiga permanecer em sala de aula, muito mal estar, medo e aquela sensação de ficar presa ali pra sempre, sentir um tipo de sufocamento no ambiente.

Aos nove anos veio o diagnóstico de depressão, também não entendia o que era, mas sabia pelos olhares. Pelo espanto das pessoas a minha volta e sempre a mesma frase ao saber: “Nossa, mas ela é tão nova!”.  Olhares de pena, olhares desconfiados, mas dentre tanto desconforto, havia dois seres humanos que me olhavam na busca de compreensão, meus pais. Foi um ano de muitos médicos, de remédio, de colo de vó, um ano sem escola, um ano com saudades da mãe que só chegava quando eu estava dormindo e saía antes que eu acordasse.

Foi com certeza um ano difícil. Ao voltar para a escola imaginei que seria diferente, mas não imaginava o quanto eu teria de repetir o motivo de não estudar um ano, de ser mais velha que meus amigos de sala. A terapia e a medicação me ajudaram muito, aos poucos fui conhecendo meus limites e períodos em crise.

Mas, aos 17 anos, tive a primeira crise de pânico. Era diferente da tristeza, do choro, do mal estar da escola. Era o meu corpo me avisando que algo estava bem errado. Avisando-me que eu não tinha mais controle de mim. Pernas e braços formigando, falta de ar, medo de morrer, tonturas e vômito. Um sistema nervoso inteiro em um caos só.

Na sala do médico, no pronto socorro, naquela madrugada de sábado para domingo, ele me disse: “Então, Priscila, você teve uma crise de pânico, mas já passou, pode ir pra casa”. Eu, assustada disse: mas não tem um remédio pra me ajudar? Ele então falou: “Ah sim, temos sim, você é igual a todo mundo, vai querer o caminho mais fácil, vou pedir sua medicação”.

Foi meu primeiro contato com o Rivotril, o famoso Clonazepam. Foi outro ano delicado, muitas faltas na escola, no trabalho – que era para pagar a escola – foram atestados, estudos em casa, e claro, muitas explicações sobre o inexplicável. Por que você tem isso? Por quê? As pessoas não sabiam, mas eu estava tão curiosa quanto elas. Também queria respostas. Melhorar, queria aquela tal vida normal, apenas estudar, trabalhar e ser feliz.

De lá pra cá, se passaram 10 anos. Há 21 anos me cuidando e 10 sabendo que o transtorno depressivo recorrente e a síndrome do pânico são uns CIDs que me acompanham nessa caminhada. Eu digo que todos os dias são dias de vitórias. Aprendi a andar mais sozinha, mesmo com medo, me formei na profissão que escolhi e todos os dias são únicos.

Se eu pudesse te dar um conselho, se você estiver passando por algo parecido, se não sentir o chão sobre seus pés, apenas respire.  Assim como eu e você, existe uma galera atrás das respostas de bem-estar, de proteção, atenção e uma vida “normal”.

Seja o protagonista da sua vida, faça as suas escolhas

A verdade é que cada ser humano vai ter se pacote para carregar. Todas as pessoas do planeta possuem suas dificuldades, fragilidades e elas APRENDEM a viver com elas. Aprendi a nunca esperar resultado apenas de uma coisa, não é só o terapeuta, não é só a Priscila, é a família, são os amigos é o filme que me diverte, é a escrita que me liberta, são livros que me levam daqui e me transportam a lugares melhores.

Eu levanto todos os dias por mim, porque eu mereço mais do que uns diagnósticos, uns CIDs, uns remédios. Eu mereço a vida que eu quiser ter, e eu luto todos os dias por isso. De onde vem a força? Da fé, do amor da minha avó, dos cuidados da minha mãe, dos meus amigos, do namorado, de dentro, de um grito interno que me diz, sempre que olho para o céu: A VIDA É MAIS DO QUE ISSO.

A vida não se resume em medo, em portas fechadas, em pensamentos ruins e você vai perceber, você vai se libertar, todos os dias serão dias de lutas e consequentemente de glórias. Então, se hoje, ao ler minhas palavras seu dia foi um pouco melhor, saiba que o meu também foi. Porque pra mim, se todos os dias vencermos algo, já valeu a pena. Hoje foi um dia sem Rivotril, foi um dia de sol, um dia de agradecer por estar viva. E se amanhã eu precisar da medicação, tudo bem também. Um dia de cada vez.

E você já venceu algo hoje? Conta para mim nos comentários. Eu vou adorar saber das suas vitórias.

Leia também o texto Seja protagonista da sua história, da psicóloga e colunista Paula Lima

Imagem da capa exclusiva do Ilustrador @ramuski_

Segunda ilustração (peixe) do Pixabay*