A porta está aberta, meu amor
31 de julho de 2015Felizes para sempre: o que é isso?
7 de agosto de 2015
banco de imagem Pixabay |
A mesa era tirada do centro, as cadeiras arrastadas provavelmente incomodaram os vizinhos de baixo. Meio de semana, anoitecer fresco, dos que fazem o vento empurrar a cortina com delicadeza. Os dois na sala supunham um passo.
Era irreverência realizável, das muitas que nos fariam felizes e sãos. Um rádio velho, presente antigo de família, sintonizava alguma música que lhes parecia íntima. Alguém largara os afazeres do trabalho, alguém esquecera a janta, um prato na pia, a porta aberta. Uma mão pedida soava estranha à primeira vista. Risos jocosos, incrédulos, que se converteram em inocência com o apelo verdadeiro de quem refizera o pedido.
– Dance comigo.
– Mas você não sabe dançar.
– Não é preciso saber… Só é preciso encontrar o seu ritmo no meu, e o meu no seu.
Não sabia a diferença entre folk e jazz, estilos ouvidos em uma entrevista na madrugada. Nunca frequentara um salão, e ainda não entendia os alongamentos de uma dançarina de ballet. No entanto, sabia que existia um ritmo além do que se pode dominar e discorrer sobre ele. O ritmo que sentia era realmente além das coisas, aparecia a cada um do modo que bem quisesse.
– Apenas dê a sua mão, o resto já está em nós.
Seu ritmo era um sopro do entardecer, a brisa que ia da varanda à sala. Eram seus olhos cansados, que mesmo assim não perdera a chance de admirar, poder encontrar um repouso num marasmo avulso. Uma pulsão, um frêmito, um pé descalço, uma cintura na mão. Seu ritmo era o silêncio declamado, uma poesia solada, alguma sensualidade ocorrida no ombro acolhedor que lhe faz sentir o cheiro no cangote.
Dois perdidos. Sozinhos em cada passo, em cada recordação, em cada desilusão que se sente ao parar o tempo da vida. Desacelerar, jogar, subverter. Dançavam. Dançavam como se o futuro fosse um quadro quebrado, como se o passado não valesse a entrada, como ato sem cálculo, sentido com uma respiração tão pausada.
– Me leve nessa dança… Não me deixa esquecer que isso tudo é uma dança. Me leve com você, preciso ir.
A dança que pedia era metafísica, um experimento, uma magia, um efeito sobrenatural. Todavia estava mais próxima da leveza, altaneira. Leveza de vida, dançar com a vida. Ser bailarino sem ofício, desviar caminhos, trocar o disco, entrar no ritmo. Sua dança não podia acabar, era uma nesga esperançosa, uma frincha que não deixa morrer a luz, um romance perdido na areia sendo aberto e relido. Sabia que o tempo é maestro, mas quis roubar sua batuta e eternizar seus amores.
– Não desligue o som. Não abaixe o volume. Não ligue para o tempo… O tempo é o que queremos que seja a partir de agora.
O céu era maior. A vida que tinha avolumara suas histórias. Seus heroísmos apagados. Suas mãos noutro corpo conduziam o embalo, e isso era o seu auge, do tipo que diz que tudo poderia acabar ali. Desencontros, descompassos, pisões eram dedos se achando, se querendo. Ainda não sabia dançar, mas dançava como ninguém.
– Digo que você é meu melhor par… E serei muito mais feliz se dançarmos por todos os dias que pudermos ser.
A música se aninhava no desfecho, naquele último chorinho, que ia sumindo vagaroso. Alguns poucos minutos encostavam a eternidade na parede. Não soubera se bossa nova ou samba de raiz. Soubera dançar, com a vida e seu par…
Que aos poucos desgrudava de seu corpo, meio desengonçado,
atordoado, desacostumado com tal vivência. Outra música
desandava a fugir do rádio, outra sintonia compunha o que
fazer da vida, até que um dos dois desejasse…Dance Comigo!