Quanto amor e respeito nós temos pela Terra?
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9 de setembro de 2016Por Karina Miotto *
Recentemente tive a honra de estar junto de um grupo de 100 mulheres e 15 homens em um encontro comandado por mulheres poderosas, lideranças indígenas vindas dos Estados Unidos, duas delas, Austrália, Índia, México, Chile e Colômbia, cada uma representando seu povo (Lakota, Maputi, Kogi, entre outros cujos nomes não consigo lembrar, desculpe!).
Nós mulheres estávamos em orações entre tambores, cânticos, maracás e contações de histórias significativas ao longo do dia, enquanto os homens ficaram com a missão de cuidar do fogo, do lado de fora, auxiliar-nos com o que quer que precisássemos e proteger-nos. Isso pode soar meio estranho, não? Homens com a função de proteger mulheres enquanto elas ficam em orações, cânticos, rituais? Pois é, isso pode parecer esquisito para o mundo da desconexão, mas na verdade esta atitude simboliza o que um dia nossos ancestrais foram e fizeram há apenas 250 anos.
Há 250 anos, nos sentávamos em volta da fogueira para tomar decisões para o bem do todo de forma coletiva. Ajudávamos uns aos outros e a competição não era parte de nosso vocabulário. Superávamos nossas diferenças com conversa. Era mais fácil olhar no olho e abraçar daquele jeito, coração com coração. Ok, nem tudo eram flores, sabemos: haviam conflitos, por vezes bem tristes, mas a brutalidade é apenas um aspecto do que somos capazes de fazer. O que falei no comecinho deste parágrafo é a outra ponta da história, o que um dia nós, como humanidade, um dia fizemos.
A coisa toda começou a mudar quando a comunidade científica resolveu achar que a matemática, a lógica, a quantificação, explicava absolutamente todo o universo. Galileu, Descartes, Francis Bacon e Newton, com seu modo de pensar, provocaram a revolução científica, mas quebraram completamente com nossa união sagrada com a Terra. A partir destes gênios que só usavam um lado do cérebro, a natureza passou a ser vista como uma máquina, apenas isso. Acabou-se com o sentido de sagrado, de união entre humanidade e seres não humanos. Sentidos, sentimentos, intuições passaram a ser considerados abstrações não cabíveis para a ciência reducionista. E assim a ciência moderna permanece, até os dias de hoje.
Três décadas depois da morte de Newton, o cara que é considerado o gênio da revolução científica do século 17, passamos pela revolução industrial e o resto dessa história você já deve saber: a cultura do “ter” chega com tudo e destrói a natureza a níveis absurdos. Mudanças climáticas, acidificação dos oceanos, extinção de espécies. Mas, por que?
Olhando para algumas camadas mais profundas do que simplesmente estas duas revoluções que de fato revolucionaram nossa história aqui pelo planeta, no campo da matéria, o que elas também provocaram foi uma imensa desconexão com nós mesmos, os outros e a natureza. Passamos a competir, a querer falar mais alto que o outro, a querer ser superior. Homens partiram para a brutalidade, a violência, a ação destrutiva, o desrespeito à mulher. Mulheres desconectaram-se também de sua sabedoria, do poder do acolhimento e da amorosidade, passaram a competir, a se submeter, a querer controlar. Ficamos todos perdidos.
Curar o planeta passa por curarmos a nós mesmos e isso não é balela, é real, bem real. O dia deste encontro me colocou em contato com o que eu já tinha ouvido falar como “sagrado masculino”. Vi homens de mãos dadas, me olhando nos olhos, cuidando do fogo com amor, nos indicando o caminho, transbordando empatia no olhar e integridade no caminhar. Ao mesmo tempo, vi também o que é o “sagrado feminino”, com mulheres e seus instrumentos musicais, filhos cuidados com profundo carinho não apenas por suas mães, sorrisos de apoio e solidariedade, vontade genuína de abraçar, acolher, mesmo sem saber o nome, sem saber de onde a outra mulher veio.
Houve um momento em que todos passamos a ouvir as sábias palavras de Pat MacCabe, da etnia Dene e inciada pelos Lakota, Estados Unidos e cuja sensibilidade fez com que esse encontro acontecesse. Olhando para os homens, ela disse o seguinte: “Já senti dor, revolta e medo em relação a vocês, mas depois de muito refletir e de enxergar coisas profundas dentro de mim, compreendi que vocês, homens, também foram suprimidos em suas forças, em suas habilidades. Foram obrigados a se inserir em um sistema e em um modo de vida que sufocou suas essências. Vocês não são competição. Vocês não são brutalidade. Vocês não são isso. Meu coração vibra de alegria com esse momento. Sejam vocês mesmos, não se submetam mais a essa mentira. A Mãe Terra pede que todos despertem para o sagrado feminino e o sagrado masculino. Nós mulheres precisamos de vocês. E vocês também precisam de nós”.
Um destes homens, que nunca vi na vida, me disse palavras certeiras, que eu estava precisando ouvir naquele meu momento de encontro com o feminino que me habita. Choramos juntos. Todos demos as mãos e cantamos uns para os outros. Vi a verdadeira irmandade entre homens e mulheres acontecer. E, nos olhos de homens e mulheres que liberavam muitas e muitas lágrimas, senti profundamente a verdade deste encontro:
A terceira maior revolução da humanidade chegou e ela se chama “consciência”. Passamos, todos, por um profundo chamado para a revolução de nossa consciência, para sermos o que nascemos para ser. SER. É fácil quebrar com toda essa lavagem cerebral desde o século 17 que contaminou até nosso DNA? Claro que não, mas não há outro caminho possível, pois chegou a hora do encontro verdadeiro com este sagrado que nos habita. Não é à toa que tem tanta gente em crise por aí. Passando por ela dentro de nós, acolhendo-a e curando-a com apoio da coragem, de amigos, orações, encontros significativos, espiritualidade e o que mais quisermos, voltaremos a nos relacionar com nós mesmos, com os outros e com a natureza como antes faziam nossos ancestrais.
Crazy Horse, considerado o melhor e mais sábio de todos os guerreiros nativos americanos, profetizou a soldados brancos, pouco antes de ser assassinado: “the old ways will come back, my friends”. Ele estava certo. Os velhos tempos voltarão, meus amigos.
Texto compartilhado em parceria com Karina Miotto do Unimundo21. Facebook Unimundo21
Jornalista ambiental poliglota com 10 anos de trabalho pela Amazônia. Mestre em Holistic Science pela Schumacher College, na Inglaterra e fundadora do Reconexão Amazônia.É uma das pioneiras em trabalhar para estabelecer a conexão empática dos brasileiros com a floresta.
2 Comments
Lindo texto <3
Tive a oportunidade maravilhosa de conhecer a Karina na Virada Sustentável.
Ela é um ser inspirador, do bem, do amor.
Obrigada por essa conexão.
Olá Bruna, muito feliz em ler seu comentário aqui! Realmente a Karina é inspiradora e a gente ainda vai ouvir falar muito dela! Que maravilha! Vamos nos unir a essa corrente do bem, a esse movimento de transformação! Gratidão e continue conectada conosco! #felicidadesustentavel Forte abraço